Aos domingos
Quase todos os domingos me vejo confrontado com a inépcia dos ingleses para entender os rudimentos do jogo que, por culpa deles, se chama futebol. Bem sei que o campeonato é amador e que a táctica da nossa equipa assenta apenas em duas frases simples e toscas: «talk to each other» e «be vocal» (como se percebe, isto não são mandamentos suficientes para equilibrar o movimento de onze mafiosos num domingo de manhã). Adiante. Convém antes de mais fazer a ressalva que eu não vou usar este exemplo para generalizações abusivas. Pretendo, isso sim, fazer com que as minhas generalizações abusivas sobre o futebol inglês venham a acomodar-se a este exemplo tão peculiar, contrariando as regras elementares do bom senso mas sendo fiel a uma data de outros assuntos que, neste caso, são bem mais relevantes. Não é nada difícil fazer isso. Não vale a pena armar-me.
Qual é então o problema dos ingleses quando empenhados em levar a bola até à baliza do adversário? Bom, em primeiro lugar, a pressa. O «futebol directo» é um eufemismo pois a expressão esconde o suspiro, o permanente desejo que um tipo alto e corpulento venha a aproveitar uma bola lançada pelo longínquo companheiro e seja mais forte que o outro tipo alto e corpulento que por ela terá de lutar na grande área. Uma vitória com sorte ou perícia, pouco importa. Aquilo que as equipas latinas fazem durante os últimos minutos, quando a derrota parece inevitável, é uma prática comum no futebol inglês e está presente desde o primeiro instante. Isso é muitas vezes confundido com o espírito guerreiro dos ingleses. De certa forma, faz sentido. Nas equipas latinas os lançamentos longos são sinais de desespero. Mas não nas equipas inglesas. Ninguém fica desesperado 90 minutos, o tempo todo. É um outro fenónemo, claro (não me quero demorar aqui).
No entanto, a «pressa» não explica tudo. O que me incomoda nos ingleses é uma espécie de medo da bola e um radar que não capta nada do que se passa a menos de 10 metros. Eu, por exemplo, apesar de me encontrar na fase descendente da minha gloriosa carreira, consigo vê-los sempre mas só sou avistado quando estou longe e à frente dos meus companheiros de equipa. Há aqui, como imaginam, um tipo que sofre.
Já agora, e para arranjar chatices, vou dedicar este último parágrafo ao assunto Gerrard, um jogador excessivamente elogiado pelo Nuno Miguel Guedes e pelo maradona. Quantos jogos de rua terá feito o rapaz? Quantos passes curtos para evitar partir os vidros dos carros e a janela da vizinha? E jogos de futebol de salão? Ou em pátios? Cá para mim devem contar-se pelos dedos das mãos. Na cabeça do Gerrard nada se passa perto dele. O jogo, para ele, começa dez metros à frente dos seus pés. Julgo que, em parte, isso se deve ao facto dos ingleses começarem muito cedo a jogar em campos relvados, o que - se por um lado lhes facilita a adaptação às grandes pradarias desta luta (é uma metáfora) - os priva também de uma certa intimidade (salvo seja) com a bola. Ora o Gerrard é tão inglês nisso tudo que nunca na vida será um grande jogador. É um grande jogador inglês, sem dúvida, mas (convenhamos) não é bem a mesma coisa.
De resto, tudo bem.
[adenda: entretanto, vou aqui e dou de caras com o artigo do Simon Kuper que, a propósito do Ibrahimovic, explica estas coisas com um pouco mais de clareza e brilhantismo]
Qual é então o problema dos ingleses quando empenhados em levar a bola até à baliza do adversário? Bom, em primeiro lugar, a pressa. O «futebol directo» é um eufemismo pois a expressão esconde o suspiro, o permanente desejo que um tipo alto e corpulento venha a aproveitar uma bola lançada pelo longínquo companheiro e seja mais forte que o outro tipo alto e corpulento que por ela terá de lutar na grande área. Uma vitória com sorte ou perícia, pouco importa. Aquilo que as equipas latinas fazem durante os últimos minutos, quando a derrota parece inevitável, é uma prática comum no futebol inglês e está presente desde o primeiro instante. Isso é muitas vezes confundido com o espírito guerreiro dos ingleses. De certa forma, faz sentido. Nas equipas latinas os lançamentos longos são sinais de desespero. Mas não nas equipas inglesas. Ninguém fica desesperado 90 minutos, o tempo todo. É um outro fenónemo, claro (não me quero demorar aqui).
No entanto, a «pressa» não explica tudo. O que me incomoda nos ingleses é uma espécie de medo da bola e um radar que não capta nada do que se passa a menos de 10 metros. Eu, por exemplo, apesar de me encontrar na fase descendente da minha gloriosa carreira, consigo vê-los sempre mas só sou avistado quando estou longe e à frente dos meus companheiros de equipa. Há aqui, como imaginam, um tipo que sofre.
Já agora, e para arranjar chatices, vou dedicar este último parágrafo ao assunto Gerrard, um jogador excessivamente elogiado pelo Nuno Miguel Guedes e pelo maradona. Quantos jogos de rua terá feito o rapaz? Quantos passes curtos para evitar partir os vidros dos carros e a janela da vizinha? E jogos de futebol de salão? Ou em pátios? Cá para mim devem contar-se pelos dedos das mãos. Na cabeça do Gerrard nada se passa perto dele. O jogo, para ele, começa dez metros à frente dos seus pés. Julgo que, em parte, isso se deve ao facto dos ingleses começarem muito cedo a jogar em campos relvados, o que - se por um lado lhes facilita a adaptação às grandes pradarias desta luta (é uma metáfora) - os priva também de uma certa intimidade (salvo seja) com a bola. Ora o Gerrard é tão inglês nisso tudo que nunca na vida será um grande jogador. É um grande jogador inglês, sem dúvida, mas (convenhamos) não é bem a mesma coisa.
De resto, tudo bem.
[adenda: entretanto, vou aqui e dou de caras com o artigo do Simon Kuper que, a propósito do Ibrahimovic, explica estas coisas com um pouco mais de clareza e brilhantismo]
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