Sobrevivente
O último álbum dos «The Shins», Wincing the night away, é um magnífico exemplo de como se pode fazer uma pop sem truques e, simultaneamente, tirar vários coelhos da cartola. Um dos coelhos que me mais agrada, é aquele que se ocupa da melodia das canções; um coelho simples e, no entanto, imaginativo, recusando-se a recorrer às artimanhas preguiçosas da remanescente carneirada que para aí anda. Falarei de carneiros num outro texto. O que importa, para já, é assinalar também a bizarria das letras dos «The Shins», ocasionalmente pontuada por detalhes de humor cínico («your nightmares only need a year or two to unfold»), muito cínico («you haven't laughed since January») ou de um fatalismo cruel («you'll be pulled from the ocean, but just a minute too late») . Tudo isto sem abandonar a faixa «Australia». Se andássemos por outros continentes nunca mais daqui saíamos e eu quero fazê-lo. Quero ir, por exemplo, até à palavra «cunundrum», pronunciada ao minuto 1:04 de um vídeo que pode ser visto, sem taxas moderadoras nem sofrimento, pelo tubo. Julgo que não será demasiado arriscado dizer que esta é a primeira vez que ela surge numa canção (e repetida uns versos à frente, são uns bravos estes rapazes). Quase tudo na palavra «cunundrum» é contrário à volatilidade de uma música pop mas aí está ela a abanar a anca com a sua soturna fonética e pança de uma só vogal. Todavia, os «The Shins» ficam ainda a milhas de, nesta competição, conseguir alcançar o insuperável Sérgio Godinho que, logo no seu primeiro disco, ofereceu generosamente, ao compêndio lírico da música portuguesa, a palavra «estalajadeira», dificílima de ser sussurrada quanto mais cantada com dignidade. Decorria o ano de 1971.
(Quem é que te oferece, quem é?)
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