D'oh
Não sei se este calor também vos aperta e se, como eu, já se enterneceram com o pássaro Lorenz, mas não vão daqui embora sem saber que, até à data, temos isto: Odisseia 0 - Simpsons 3. Ah, os clássicos!
Porém, e para resgatar a credibilidade quase residual deste blog, fica aqui um pedaço de prosa que, bem vistas as coisas, é mais uma visita aos mecanismos da memória do que um namoro às letras:
«[...] Embora impossível de trocar por um almoço, esse Virgílio fora consolo em horas de fome. Estendido e com o cinto apertado, tinha-o estudado no chão de um antigo calabouço, tinha procurado passagens favoritas e concluído que os livros mais recentes eram menos belos por não terem recebido a consagração da memória; ou, numa pausa das suas andanças pela ilha, sentava-se na berma da estrada a mirar para lá do oceano as montanhas do Eimeo, e mergulhava na Eneida para encontrar "presságios". E mesmo que o oráculo respondesse com vozes ambíguas ou pouco animadoras (como é vulgar nos oráculos), pelo menos enchia-lhe a memória do exílio com visões de Inglaterra: salas de aula buliçosas, campos de jogos verdejantes, férias em casa, o imparável rumor de Londres e a lareira, a cabeça branca do seu pai. Porque o destino dos graves, repressivos e clássicos autores que a escola impinge e tantas vezes dá a conhecer de forma dolorosa, é conseguirem passar ao nosso sangue e serem na memória recordações natais, ao ponto de Virgílio não falar tanto de Mântua ou Augusto como de lugares ingleses e da irrecuperável mocidade do que foi estudante.»
R.L. Stevenson, «No vazio da onda, trio e quarteto», traduzido por Aníbal Fernandes
Porém, e para resgatar a credibilidade quase residual deste blog, fica aqui um pedaço de prosa que, bem vistas as coisas, é mais uma visita aos mecanismos da memória do que um namoro às letras:
«[...] Embora impossível de trocar por um almoço, esse Virgílio fora consolo em horas de fome. Estendido e com o cinto apertado, tinha-o estudado no chão de um antigo calabouço, tinha procurado passagens favoritas e concluído que os livros mais recentes eram menos belos por não terem recebido a consagração da memória; ou, numa pausa das suas andanças pela ilha, sentava-se na berma da estrada a mirar para lá do oceano as montanhas do Eimeo, e mergulhava na Eneida para encontrar "presságios". E mesmo que o oráculo respondesse com vozes ambíguas ou pouco animadoras (como é vulgar nos oráculos), pelo menos enchia-lhe a memória do exílio com visões de Inglaterra: salas de aula buliçosas, campos de jogos verdejantes, férias em casa, o imparável rumor de Londres e a lareira, a cabeça branca do seu pai. Porque o destino dos graves, repressivos e clássicos autores que a escola impinge e tantas vezes dá a conhecer de forma dolorosa, é conseguirem passar ao nosso sangue e serem na memória recordações natais, ao ponto de Virgílio não falar tanto de Mântua ou Augusto como de lugares ingleses e da irrecuperável mocidade do que foi estudante.»
R.L. Stevenson, «No vazio da onda, trio e quarteto», traduzido por Aníbal Fernandes
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