June in October
Há, na música folk dos países do norte, uma força tranquila que impede o desespero, que mantém as pessoas de pé durante as intempéries, uma força que é impossível de ser encontrada na Europa do Sul, convertida desde sempre a uma bela e desconchavada sinusóide de festa e pranto. Enquanto nós procuramos na fraqueza uma forma nobre de seguir os sentimentos, eles desejam ser fortes para poder estar à altura desses sentimentos. Latitude matters. Claro que isto não é exactamente assim, tão simples e arrumado, tão amarrado à geografia. No fundo, somos todos humanos. E um pouco chimpanzés. Além de que são abundantes os casos de pessoas que, digamos, acordam em Granada e passam o tempo todo, ou pelo menos o fim de tarde, em Derry. E há quem, tendo cama e pijama em Derry, nunca tenha sido visto fora de Granada. Contudo, e isso importa, essas pessoas, mesmo que não queiram, são obrigadas, para escapar às raízes, ao paralelo mais ou menos simbólico que lhes coube em sorte, a fazer uma viagenzinha mais ou menos simbólica, ainda que agradável e sem sobressaltos. Não há volta a dar, apesar das voltas que damos. Se o fado ou as canções napolitanas são sobretudo histórias de tumultos e arrebatamentos, histórias de faca e alguidar, de gente dilacerada pela vida, maltratada pelo amor, mas que, mesmo engaiolada no sofrimento, gosta imenso de falar, de dançar fora de horas, de vir à janela fazer caretas e de cuidar das feridas como se estas fossem tigres domésticos, muito queridos e ferozes, ou então bonsais, que são árvores completas em vasos pequenos, não sei se percebem onde quero chegar, a folk britânica ou nórdica interessa-se principalmente pelos silenciosos mecanismos do corpo, pelo combate, pelo trote dos cavalos, por essa serenidade algo incómoda e dolorosa, que também sobrevive e ronda as últimas coisas, e que está sempre lá, em qualquer final que se preze, depois das despedidas, nas ruelas às quatro da manhã, no caminho de regresso, na amurada do navio em alto mar. Acho que é isto.
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